Conservantismo – A Voz do Cidadão https://www.avozdocidadao.com.br Instituto de Cultura de Cidadania Tue, 07 Aug 2018 14:27:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.2.6 163895923 Livros – Uma filosofia política: argumentos para o conservadorismo, por Roger Scruton https://www.avozdocidadao.com.br/livros-uma-filosofia-politica-argumentos-para-o-conservadorismo-por-roger-scruton/ https://www.avozdocidadao.com.br/livros-uma-filosofia-politica-argumentos-para-o-conservadorismo-por-roger-scruton/#respond Sun, 01 Apr 2018 16:53:55 +0000 http://www.avozdocidadao.com.br//?p=28349 O que torna especialmente importante a leitura do maior pensador conservador britânico da atualidade, Roger Scruton, sobretudo no Brasil, é que entre nós foi banida a doutrina conservadora do espectro político no debate público, com a hegemonia esquerdista da “inteligência” nacional nos últimos 50 anos.

A começar pela tradução de “conservatism” por “conservadorismo”, e não “conservantismo” como existe na língua portuguesa, expressando e conotando mais a doutrina em si, política e filosófica, de conservar como visão de mundo, do que a atitude em si de reagir contra o progresso, e não contra o progressismo. Uma vez que o progresso é inevitável na história da humanidade, mas não e necessariamente às custas dos valores morais humanistas da tradição judaico-cristã. Se liberalismo é a causa do liberal, socialismo do socialista, monarquismo do monarquista, por que não é o conservantismo a causa dos conservantistas, ao invés daqueles que reagem ao progressismo e não ao progresso, o que seria desrazoável? Se existe algo que não advoga um conservantista é exatamente as torções do olhar, as retorções da conduta, as contorções do sentir, as distorções do pensar. Seu compromisso é exatamente com a destorção do mundo das impressões, dos sentidos, das emoções, da tolerância e relativismo humanos.

Mas não criemos ruídos desnecessários na fácil comunicação de Scruton para com os cidadãos providos ao menos de bom senso. Deixemos a discussão sobre a corrupção dos valores morais que sempre está por trás do que ele chama de novilíngua em homenagem a seu conterrâneo Orson Welles de 1984.  Depois retomaremos este ponto, pois não há rupturas linguísticas que não comprometam o compartilhar das ideias. E o limite das licenças poéticas que pode suportar uma língua é sua eficácia funcional de comunicação.

Os 11 capítulos são originários de ensaios, artigos, palestras e conferências singulares, mas sempre com o fio condutor da visão cética dos conservadores e sua necessária contraposição aos ideais esquerdistas que, na experiência da história recente, levaram a humanidade a tantos impasses, desde a atuação dos jacobinos na Revolução Francesa, até os bolchevistas na Revolução comunista russa, o nazismo alemão e o maoismo chinês.

A partir de temas precisos e variados, que estão presentes nas discussões cotidianas – como patriotismo versus nacionalismo, ambientalismo versus sustentabilidade, respeito aos animais e vegetarianismo, aborto e apropriação do corpo, suicídio assistido, o matrimônio como rito de passagem, diversidade de gênero e sexo, novilíngua como corrupção de valores e da própria língua, religiosidade e secularismo –, Scruton oferece uma visão coesa da política, fundada no respeito às tradições e no cuidado pela cultura local.

O conservadorismo defendido por Scruton implica na superioridade cultural do direito consuetudinário inglês sobre o direito positivo continental, quando aquele é mais baseado no discernimento e responsabilidade das escolhas individuais dos cidadãos do que na douta exegese da lei de um magistrado singular ou na interminável cultura recursista do direito positivo dos tribunais. Vide o Brasil de hoje.

A definição de conservantismo, tal como entende Scruton, implica na manutenção da ecologia social, na conservação dos recursos sociais, materiais, econômicos e espirituais da humanidade. O patriotismo é a expressão da lealdade à pátria contra o nacionalismo que implica na xenofobia.  A soberania dos cidadãos sobre a organização das repúblicas é que sustenta a legitimidade dos parlamentos – sobretudo os monárquicos que dividem a representação de governos e Estados independentes das nações, sempre prioritárias diante das decisões de ordem de organizações multinacionais ou multiculturais.

Não a “oikofobia” reinante da doutrina gramsciana de sobrevalorização da “cidadania planetária”, um mito infundado pois impossível de fomentar o controle social efetivo dos cidadãos sobre organismos multinacionais (quem são os “cidadãos europeus” a quem presta contas o Parlamento europeu?), e hegemônica no pensamento esquerdista e socialdemocrata mundial que desvaloriza a lealdade nacional da tradição dos costumes políticos da história humana.

Muito embora prefira falar de novilíngua para explicar a corrupção da língua e dos valores, na verdade Scruton está a se referir implicitamente à hegemonia da revolução cultural gramsciana que domina o mundo do pensamento das elites nacionais europeias a partir do pós-guerra. Como a aceitação leniente do casamento gay como evento simplesmente civil sobre a tradição do casamento heterossexual como sacramento e rito de passagem da tradição judaico-cristã. Como a relativização do valor da vida decorrentes do aborto à mudança cirúrgica de sexo, sob a falsa alegação de propriedade do corpo pelo indivíduo contra a doutrina religiosa do dom divino.

A crítica fecunda que faz dos pensadores esquerdistas do último século destaca os pensadores franceses da revolução cultural de 68 que se intitulam pós-modernistas, ou estruturalistas, que na verdade estavam a questionar a “ordem burguesa” através de seu relativismo moral secularista e gramsciano, sem uma proposta do que colocar no lugar das instituições sociais que antecedem mesmo a “ordem burguesa”, sem, no entanto, abrir mão de valores como o estado do bem-estar social, a segurança jurídica e estabilidade de emprego, a segurança pública dos próprios aparelhos de repressão do Estado, a propriedade privada, o consumismo e as liberalidades de expressão individuais. Veja-se, cita Scruton, o paradoxo de Nietszche sobre a verdade que, para ele, não passa de interpretações de época, o que só pode ser verdade se não for verdade obrigatoriamente.

Além de eleger o pós-modernismo como trincheira da luta conservadora, Scruton passa ao largo de seus antecedentes do romantismo ao barroquismo, talvez por este último ter sido quase inexistente na cultura saxã ou mesmo absorvido na tradição romântica e modernista inglesa. Mas é sem dúvida na reação barroquista ao iluminismo da Renascença a origem da hegemonia da crença sobre a ciência, das emoções individuais sobre os costumes morais. Como sempre dizemos, o que é o romantismo se não a recidiva do Barroco? E o modernismo se não o último grito do romantismo, antes de sua subjugação secularista e pós-moderna? Scruton cita Unamuno: “Perdemos o sentido trágico da vida”, que meu destino é inexoravelmente determinado pelos deuses e desta verdade não posso e nem me cabe escapar.

Se na cultura pós-modernista vivemos o secularismo da profanação do sagrado e do sacramental, contra a presença simbólica de Deus no ensino religioso e na educação moral das escolas, nos tribunais dos países ocidentais e até mesmo nas cédulas do dinheiro, é porque sucedemos a soberba da tentação do romantismo de um homem senhor de seu destino, assim como o Barroco inaugurou o relativismo moral de um homem glorificado por outros homens.

Mas o ponto alto da argumentação de Scruton é a desconstrução do marxismo com a sua glorificação do Estado autônomo da soberania do cidadão, o que resultou no terrorismo institucional da Revolução Francesa, no holocausto bolchevista, leninista, stalinista e comunista, culminando com a banalidade do mal nacional-socialista alemão. E este último foi o precursor do recurso da novilíngua que inverteu o significado do mal como capitalismo. Assim como a Eurolíngua distorce a concepção de autonomia nacional pela contorção da noção de subsidiariedade.  A língua oficial e perversa da burocracia supranacional da União Européia, prenhe de retórica vã, de eufemismos, expressões cultistas e floreadas para enganar o senso comum dos cidadãos. Correspondente aos idioletos dos médicos e dos causídicos apenas para lhes justificar a indispensabilidade de seu douto saber, seus interesses corporativistas e seus altos honorários. Cita para tanto a autora francesa Françoise Thom, em sua deliciosa tese sobre La langue de bois, cujo propósito da novilíngua comunista ou da eurolíngua supra-nacionalista europeia nada mais é do “proteger a ideologia  dos ataques maliciosos realizados pelas coisas reais.” Nada mais ironicamente bem achado. 

O que nos remete imediatamente à realidade brasileira, cujas velhas política e justiça são prenhes da arqui-língua barroquista da farsa, ironia, paradoxo e circunlóquios que sufocam o surgimento de uma nova política.

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Debate público – Viraliza nas redes e mais uma vez o debate sobre se o nazismo é de direita ou de esquerda. Vejam o barroquismo dos argumentos! https://www.avozdocidadao.com.br/debate-publico-viraliza-nas-redes-e-mais-uma-vez-o-debate-sobre-se-o-nazismo-e-de-direita-ou-de-esquerda-vejam-o-barroquismo-dos-argumentos/ https://www.avozdocidadao.com.br/debate-publico-viraliza-nas-redes-e-mais-uma-vez-o-debate-sobre-se-o-nazismo-e-de-direita-ou-de-esquerda-vejam-o-barroquismo-dos-argumentos/#respond Tue, 06 Mar 2018 15:57:11 +0000 http://www.avozdocidadao.com.br//?p=28224 O professor Felipe Schadt causou um reboliço nas redes sociais quanto afirmou que o nazismo era de direita. E apresentou uma pilha de livros sobre a história do nazismo que havia lido (inclusive o Mein Kampf, de Hitler) para sua tese acadêmica de especialização em História na USP. Seus argumentos partem do principio de que o próprio Hitler teria negado ser marxista em seus textos assim como vários historiadores “isentos” da Europa e do Brasil alinham o nazismo como uma doutrina de direita dado o seu “ultra-conservadorismo” nos costumes, sua militarização da política e o objetivo maior da superioridade de uma raça sobre as demais. Acrescenta ainda que a própria página oficial do governo alemão classifica o partido nazista como de extrema direita.

Como o professor convida seus opositores ao debate com a apresentação de argumentos, vamos lá:

1. Não é nenhum historiador que vai chamar o Nazismo de esquerdista. São seus próprios fundadores quando o alcunham de Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. São duas menções, vamos aqui convir, mais a esquerda do que a direita, a saber: “socialista” e “dos trabalhadores alemães”. Ou os nominativos não explicitam mais significados para os relativistas contorcionistas da linguagem como os esquerdistas gramscianos?

2. O fato de a direita se afirmar como doutrina conservadora (prefiro conservantista) nos costumes, nas crenças, na política e na economia, não significa que ela seja “ultra-conservadora” ou de “extrema-direita” como a esquerda socialista, social-democrata e mesmo democrática gosta de se referir para confundir o debate franco. Não seria mais honesto, intelectualmente falando, enfrentar a simples designação de direita?

3. Trata-se aqui, mais uma vez, de não ler Bobbio corretamente, quando o professor não reconhece viés social-liberal do pensador italiano, ao afirmar a característica maior da direita como o individualismo, e a da esquerda o coletivismo. Daí, afirmar que o nazismo, com seu objetivo maior da supremacia racial, repudiar o coletivismo, ou o igualitarismo racial, é uma longa distância. Quando pode-se perfeitamente afirmar o individualismo da ação humana como a liberdade de escolha, por exemplo. Ou o igualitarismo social como igualdade de oportunidades, por exemplo. O que não significa necessariamente a supremacia racista.

4. Na verdade, o professor não apresenta como distinção doutrinária fundamental em termos históricos as categorias da revolução francesa de girondinos e jacobinos de onde surgiu a caracterização de direita e esquerda. O que é lamentável sendo ele um estudioso da história. Ou como se traduziria hoje, conservadores e progressistas. Os que queriam as mudanças sociais sem ser às custas da guilhotina dos de sangue azul contra os que propugnavam pela revolução do terror, o que acabou por sinal por guilhotinar os seus próprios asseclas. Quando esta distinção é fundamental para se manter o debate dentro de um mínimo de racionalidade e honestidade intelectual. Conservadores são os que desconfiam do progresso social às custas do relativismo moral dos valores da tradição humanista judaico-grega-cristã. Progressistas cerram fila no progresso social e na liberdade incondicional do indivíduo independente das consequências morais e sociais.

5. O professor não enfrenta a questão filosófica fundamental, portanto, dos limites morais dos valores da liberdade e da igualdade. Até que ponto poderia a liberdade individual se afirmar às custas de iguais liberdades dos outros. Assim como até que ponto a igualdade deve significar o igualitarismo coletivista que desfavorece o mérito individual.

6. É perfeitamente possível ser crítico de uma facção da esquerda marxista sem, por isto, assumir posições de direita. Afinal, nada mais facciosista do que a esquerda: marxista, leninista, stalinista, trotskista, maoísta, gramscista, castrista etc etc. Quando é pacífico que cada uma delas sempre lutou sobretudo contra elas próprias e podem ser resumidas hoje em dia como socialistas tão simplesmente, com sua origem histórica em Rousseau, Proudhom e Saint-Simon. Quando o conservantismo, que seria uma mais justa tradução de “conservatism”, não seria apenas uma atitude conservadora de seu praticante de se opor a princípio a qualquer ideia progressista, mas a de admiti-la na condição de preservação (ou conservação) dos valores morais da tradição, livres do relativismo da revolução cultural e da corrupção dos valores morais esquerdistas.

7. Concluindo, o Nazismo é de esquerda por que propugna pela mudança da sociedade à revelia de quaisquer valores morais da tradição judaico-cristã, como a igualdade de oportunidade, e não a igualdade coletivista; a liberdade de alteridade, e não a liberdade de identidade (racial, por exemplo); a vida como dom divino, e não a vida como decisão humana; e a propriedade, enfim, como fruto do trabalho individual, e não como fator de poder estatal. Se foi aliado dos comunistas no início da 2ª Grande Guerra, herdando todos os seus métodos de hegemonia político-militar, como o genocídio em campos de concentração, e acabou como inimigo deles, não significa absolutamente que o nazismo seja de direita.  É absolutamente desonesta a argumentação relativista da esquerda de taxar o nazismo como direita, como estratégia de ofuscar os crimes contra a humanidade perpetrados, estes sim, pelas várias facções esquerdistas na história recente do mundo.

8. Como sempre digo: os conservantistas leem seriamente os esquerdistas progressistas para os criticar. Mas não conheço esquerdista progressista que tenha lido e criticado a sério os conservantistas como Russel Kirk ou Roger Scruton, dois dos maiores intelectuais da humanidade nos dias de hoje. Lamentável desonestidade intelectual e moral.

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