Ministério da Cidadania. Que cidadania?
Diante das pífias – e mesmo estapafúrdias – propostas do governo federal para conter o avanço avassalador da crise, uma acabou nos chamando a atenção por ser um exemplo claro de como são desentendidos pelos governantes alguns dos conceitos mais claros da cidadania, como “interesse público”, “bem comum”, “responsabilidade política”, “moralidade pública” e outros.
Uma das duvidosas soluções para diminuir gastos da máquina pública paquidérmica sempre foi a redução do número de ministérios. Quando todo mundo sabe que uma única subsidiária de uma estatal qualquer pode pesar mais no orçamento do que dúzias de ministérios. Convenhamos, conchavos políticos de ocasião determinaram a montagem de uma constelação de 39 ministérios, número recorde no Ocidente, o que não é exatamente um indicador de sobriedade no trato com o dinheiro público. Uma rápida pesquisa pela web revela que o último governo militar, o do presidente João Figueiredo, contava com apenas 15 pastas. E três delas eram de cada uma das forças armadas. Já Getulio Vargas tinha menos ainda, apenas onze em seu segundo período no poder. De José Sarney para hoje, à exceção do período Collor, o número de ministérios só fez aumentar até chegar aos quase quarenta de Dilma.
E a proposta apresentada não podia ser mais emblemática dessas trapalhadas: a junção de quatro ministérios – Secretaria-Geral da Presidência (SGP), Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria das Mulheres e Secretaria da Igualdade Racial – em uma única pasta, que se chamaria “Ministério da Cidadania”. Como diria o humorista Renato Aragão, o Didi: “Cuma?“.
Para começo de conversa, observem que nenhuma dessas pastas é um ministério de verdade, como se percebe até pelos seus nomes. A Secretaria-Geral (que nunca deveria ter deixado a Casa Civil, pois tem praticamente as mesmas atribuições), a Secretaria das Mulheres e a Secretaria da Igualdade Racial são criações populistas de primeira hora do governo Lula, em 2003. Já a de Direitos Humanos é anterior, do governo Fernando Henrique Cardoso, e poderia muito bem ser o destino das outras duas, a despeito das importantes causas sociais que representam individualmente.
Mas, ainda mais grave que essa barafunda de pastas, é mesmo chamar de “cidadania” iniciativas de cunho meramente social, quando não se trata absolutamente da mesma coisa. É misturar alhos com bugalhos, como se dizia antigamente, e fazer um grande desserviço à causa da cidadania no Brasil. Se por pura ignorância, por incompetência ou má-fé mesmo, não importa.
Se não, vejamos. Ainda confundimos o valor absoluto da “Vida” com as “condições de vida” do jargão esquerdista, que seriam aqueles requisitos mínimos necessários para se sobreviver com dignidade. Mas “vida” é mais que isso, e envolve uma natureza metafísica para além da ordem humana ou social. Também é a exigência de paz social, do saber conviver com os outros, o tipo de interação que temos com nossos concidadãos e principalmente o respeito ao próximo. Afinal, o que pensar de nossa elite política, por exemplo, quando dá vexame atrás de vexame frente à sociedade?
Ainda confundimos “Justiça” com “justiça social”, o que cria verdadeiras castas de privilegiados, rompendo com o princípio máximo de que “a lei deve ser igual para todos“.
E sem falar na demonização do conceito de “Propriedade”, eminentemente privada e espertamente substituído pela “Propriedade de cunho social”, que, em última análise, torna o cidadão sujeito às vontades dos mandatários de plantão.
Pois, não, dona Dilma, cidadania não tem nada a ver com isso. Não apenas é lutar pela causa das minorias raciais, das questões de gênero e que tais. Cidadania é uma questão de ação política responsável de cada cidadão. É ser consciente e atuante sobre mandatos, governos e o desempenho das instituições. É acompanhar de perto a execução dos orçamentos públicos, até para que a economia local, estadual ou federal não chegue ao ponto que estamos vivenciando hoje, muito por conta desse enorme desentendimento.
E, principalmente, é lutar pelo desenvolvimento e implantação de políticas públicas que disseminem na sociedade esses conceitos, coisa que secretarias esparsas de caráter puramente social não têm condição nem competência institucional para levar adiante.
É mais que louvável que se acabe com a demagogia de 39 ministérios, ainda que seja uma iniciativa tardia e absolutamente paliativa diante das centenas de empresas estatais sangradoras dos recursos públicos. Mas que não seja mais uma a perpetuar o engodo de reduzir a cidadania à assistência social, como já o fazem a mídia de entretenimento, o jornalismo de plantão, vastos setores da educação e até mesmo da justiça.