Ética e pragmatismo
Já disse uma vez o presidente Lula que, se fosse governar o Brasil, Jesus teria que fazer coalizão até com Judas. Deixando a esfera religiosa de lado e ficando apenas com a política, nosso chefe de governo na verdade foi apenas mais um a justificar alianças com políticos e grupos de conduta no mínimo duvidosa para assim levar adiante uma alegada “governabilidade”. Recente reportagem do jornal O Globo veio mostrar de forma cabal o quanto está enraizado esse lamentável costume de nossos políticos, ao misturar ética e pragmatismo político em sua pior face.
Tanto um lado quanto o outro lado vêm justificar perante o eleitor que os partidos têm que ter realismo, ou que devem ter o direito de ir atrás dos votos, ou que precisam garantir o tempo de televisão. Ou seja, estão querendo – para usar uma palavra muito em moda – “flexibilizar” a questão ética.
Esse é uma questão fundamental para a cidadania. Com que direito um político pode afrontar os princípios morais e éticos da sociedade, alegando ser obrigado a agir de outra forma, movido pelo que Max Webber chamou de “ética de responsabilidade”? Responsabilidade em relação a quê, pra começo de conversa? Em relação às estratégias eleitorais dos políticos, que precisam dos votos para continuar divulgando a lutando por suas idéias, ou dos cidadãos, que são os verdadeiros donos dos mandatos e exigem decoro, responsabilidade e transparência no trato com a res publica?
“Flexibilizar” não pode significar concordar com uma ética em que vale qualquer coisa, como alianças duvidosas, conivência com estratégias espúrias e até omissão em relação aos notórios delinqüentes que pululam na vida política nacional. Esta é uma interpretação completamente equivocada do que seja a ética na política. Afinal de contas, ainda vale, e muito, aquele velho dito popular: “diga-me com quem andas e te direi quem és”.
O raciocínio é simples. Como os políticos que fazem esse tipo de alianças terão amanhã a necessária liberdade e autonomia para propor, por exemplo, a mais urgente reforma que o país precisa, a reforma política? Como tocar em questões de fundo, como a fidelidade partidária, que evita a transformação dos partidos em simples mercados de nomeações para cargos públicos? E sem falar em outros temas prioritários, como a cláusula de barreira, a melhor utilização do tempo de televisão, o financiamento público de campanhas, o fim dos suplentes a senador que tomam posse no cargo sem qualquer voto dos cidadãos, o “recall” político? Como se irá propor, discutir, votar e aprovar estas questões de verdadeira ética na política, se todos estão presos em alianças e coligações deste nível?
Esta é a pergunta que todos os cidadãos eleitores devem se fazer neste momento.