Do DCSP: “E o repetismo, meu caro Rachewsky?”

‘A vida é luta renhida; viver é lutar.’
Gonçalves Dias

Jorge Maranhão

16/Jun/2023

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Estava eu no meu canto cabisbaixo quando me chega a notícia de um livro recém-publicado por um empresário gaúcho que acompanho de vez em quando nas redes sociais.

Coisa rara nas terras de Curupira, que é como resolvi apelidar Pindorama na perspectiva de nosso arraigado barroquismo mental. Um ousado ensaio de filosofia de um não menos ousado empresário: de Roberto Rachewsky, “O grego, o frade e a heroína”.

Antes de qualquer crítica a questões filosóficas, que me sinto no dever ético de externar, deixo claro que a atitude do autor é sobejamente mais louvável e decisiva para o trágico momento em que se encontra o país do que eventuais percalços de pensamento. Afinal, um empresário que pensa o estado da cultura de seu país para além das situações vantajosas de mercado, não é comum por estas bandas, uma vez que a omissão por ignorância ou escusos interesses corporativos por alguma teta do estado é seguramente uma das razões de nosso impasse civilizatório.

Caído na tentação de enaltecer ao máximo a obra de sua heroína, a ensaísta e ficcionista russo-americana Ayn Rand, Rachewsky endossa sua linhagem filosófica como herdeira e soi-disante sucessora de pensadores do vulto de Aristóteles e São Tomás de Aquino. Afinal, não há como nenhum pensador moderno ou contemporâneo achar que escapou da tradição da filosofia clássica antiga, como já asseverou Whitehead: “toda a filosofia ocidental não passa de notas de pé de página da obra de Platão.”

Mas no que concerne a Aristóteles, a autora o leu na perspectiva de uma tradição iluminista que o opunha ao idealismo platônico em defesa de um empirismo realista. O que hoje é bastante discutível, sobretudo na sua tese sobre o egoísmo versus o altruísmo cristão, uma vez que uma nova interpretação, particularmente da Ética, quando não de toda a obra aristotélica, elabora o discernimento entre o vício de um egoísmo inferior que instrumentaliza o outro e a virtude de um egoísmo como a busca de seu próprio bem, sem a exclusão do outro.

E aqui, não quero crer que tenha sido apenas uma trouvaille quando a autora destaca o triplo A dos nomes de Aristóteles, Aquino e o seu próprio, Ayn Rand. Sem falar no excesso de autoestima, irmão siamês do egoísmo, que ela enaltecia exclusivamente como virtude, não seria uma infração mesma do princípio da mediania aristotélica, um mero preciosismo formalista em contradição com o seu próprio pensamento objetivista?

O fato é que nosso bravo Rachewsky dedica três vezes menos espaço no seu livro para Aristóteles e Aquino do que dedica à obra de sua heroína. Daí, o grego ficar mal compreendido, o frade subestimado e a heroína superestimada. E, mais uma vez, cai numa contradictio in terminis o nosso autor quando subintitula seu livro como “A revolução pacífica e civilizatória”. Ele, como eu, sabemos por conta dos três princípios da lógica aristotélica que na história não há a menor chance de revoluções serem pacíficas.

Por outro lado, por se dedicar com tanto afinco à divulgação do pensamento de Ayn Rand no Brasil, Roberto Rachewsky, mais do que ninguém, deve saber de nossa atávica resistência a qualquer coisa que de longe se pareça com a tradição racionalista que, para além do objetivismo, se espalhou por todo o Ocidente desde a proeza da descoberta da filosofia clássica pelos gregos há mais de vinte e cinco séculos. O que talvez não saiba é que, dentro do cavalo de Troia da “razão tupiniquim”, no auge do Renascimento europeu, trouxemos o vírus latino do barroquismo mental transbordado para além do campo das artes e das letras. E nele nos atolamos pelo menos nos três primeiros séculos de nossa formação cultural. E insisto: não estou aqui a falar do barroco artístico de Aleijadinho e mestre Athaíde, ou das letras sarcásticas de Gregório de Matos e das prédicas de Antonio Vieira. Mas de seu transbordamento barroquista em campos onde absolutamente não deveria prevalecer como a justiça, a política e a moral.

Não, caro Roberto, não há esta questão central do antagonismo entre as escolas platônica e aristotélica, na supremacia da consciência sobre a realidade ou vice-versa. Esta versão foi uma pirueta da retórica barroquista, engendrada no próprio ventre da Renascença e bem ao gosto e apego pelas antíteses, paradoxos, ambivalências e outras figuras de linguagem. Daí, a minha tese sobre o barroquismo como a sofística moderna. Sobretudo nas periféricas terras de Curupira.

Aliás, se você me permite uma sugestão, veja que desde a segunda metade do século passado, esta tem sido a proposta fundamental do erudito pensador Giovanni Reale, que defende o consenso e não o dissenso entre os dois filósofos seminais, com a teoria das doutrinas não-escritas de Platão e da recuperação dos textos exotéricos de Aristóteles.

Mas voltando ao seu livro, o que mais me impressionou é a sua fé, mesmo que seja a fé na razão. Apesar do iluminismo tardio a que você se refere, com o resgate das ideias liberais no Brasil a partir do século passado, ter sido na verdade inaugurado no século XIX durante o Segundo Império de nosso maior estadista D. Pedro II.

Seu relato pessoal sobre sua luta pela liberdade é um exemplo a ser seguido por qualquer empresário brasileiro que tenha um pingo de decência diante da farsa irresponsável de nossas elites ao se omitirem e permitirem a volta fraudulenta desse esquerdismo que, na sua versão petista, nada mais é do que a doença senil do barroquismo, se me permite a paródia com a afirmação de Lenin sobre o esquerdismo como doença infantil do comunismo. Pois, se o petismo é em si mesmo uma fraude, o repetismo da cultura barroquista que ora vivemos é pura farsa.

Só sei que temos falhado em nossas estratégias de argumentação que não nos une num manifesto convincente, liberais e conservadores de todos os matizes, contra a prometida e iminente ameaça repetista de nos transformar numa Brazuela. Quando nossas elites, sobretudo empresariais, são o verdadeiro repeteco dos bestializados, a que José Murilo de Carvalho se referia por ocasião do golpe da república positivista. Quando vemos se repetir na nossa cara sucessões de torções e retorções barroquistas, como esta nova metonímia de trocar uma alegada ameaça bolsonarista à democracia por uma ameaça concreta às liberdades civis e aos direitos fundamentais dos cidadãos. O mesmo recurso retórico da metonímia que trocou o ato tramitado em julgado da condenação do presidiário por um detalhe de circunstância processual. Por boçais sinistros que não sabem sintaxe elementar e trocam o sujeito como termo essencial da oração pelo termo acessório do adjunto adverbial de lugar.

Para além da ignorância, é ato orquestrado das esquerdas infiltrarem nas instituições políticas e jurídicas ditas burguesas o que há de pior na sociedade a fim de apodrecê-las por dentro. Vide a decadência de nossas atuais instituições culturais, acadêmicas, jurídicas, politicas, militares, religiosas, empresariais etc.  

O que urge é fazer do limão da ditatoga que amadura vermelho uma limonada antes que o próprio Brasil apodreça de verde e amarelo. Mais do que livros e artigos, tenho defendido um manifesto aberto às corporações, associações, federações, sindicatos patronais e de profissionais liberais. Pois não basta defender seus interesses setoriais, por mais legítimos que sejam. Cedo ou tarde eles serão assacados pelo poder destrutivo das esquerdas que tomaram o poder por sua própria conivência ou erro de avaliação. Quando seu programa de trocar o capitalismo malvadão pelo socialismo envergonhado da social-democracia é tão claro quanto inviável como já por três vezes demonstrado em nossa história recente. A questão é a tentação totalitária em curso.

Urge que nossas elites compreendam de uma vez por todas que a direita é um discurso passivo essencialmente de defesa dos valores morais da tradição ocidental judaico-cristã. Sobretudo a defesa das liberdades, não apenas de mercado, mas as próprias liberdades civis. Enquanto a esquerda é sempre uma estratégia de ataque a esses mesmos valores, pois na retórica revolucionária sempre serão sacrificados os meios em benefício dos fins. E valores morais serão sempre uma besteira burguesa.

O equívoco de trocar a ética pela estética custará ainda muito, não só para essas mesmas elites, como para todo o país. Uma vez que não pode haver sucesso empresarial privado dentro de um contexto social fracassado de toda uma nação.

A maior evidência de nossa mentalidade barroquista é trocar conceitos racionais e argumentos lógicos por meras figuras de retórica barroquista como meios de apreensão da realidade. Dentro delas a deletéria figura da metáfora, sobretudo a metonímia, que sempre troca o essencial pelo acessório, o todo pela parte, o tema pela glosa, o fato pela versão, a apreensão do real pelo efeito ficcional, enfim, a justiça pelo processo.

Pois a mais diabólica esperteza barroco-esquerdista, comprometida sempre com a farsa e jamais com a verdade, é destruir o sistema jurídico para que possa tomar o poder, a despeito dessas “bobagens” da democracia eleitoral burguesa. E tomar o poder para destruir o sistema econômico e submeter os cidadãos à condição de vilões igualados pela pobreza e pela dependência das esmolas do estado totalitário.

É o que pregou Gramsci com a revolução cultural marxista que dispensa enfrentamentos físicos da metafórica “luta de classes”. É o que prega os adeptos da Escola de Frankfurt ao trocar o embate de capitalistas e rentistas burgueses contra trabalhadores e proletários pela luta identitária sexista, de gênero, de raça, e das mais esdrúxulas figuras do politicamente correto. Trocar a cena revolucionária imaginária para que seja eficaz o resultado da destruição de valores morais de toda uma tradição.

Parabéns pelo livro e, sobretudo, pela biografia, Roberto, que me fez lembrar da Canção do Tamoio.Mas temos que transformar nossos livros, discursos, artigos, propostas e demais lauréis, por mais brilhantes que sejam, numa iniciativa mais do que objetiva, realista, contra a demagogia dos milhares de petistas infiltrados nas instituições do estado há mais de três décadas. Pois todos sabemos que não foi pelos milhões de miseráveis “invisíveis” até o governo passado, mas sim pelos privilégios e boquinhas dos companheiros militantes.

Não é hora de conclamar milhões de patriotas outra vez às ruas. Temos de nos unir numa ampla frente anti-repetista para recrutar uma centena de ilustres cidadãos para ocupar a mesa diretora do Senado até que seus membros nos convençam de que não prevaricam e cumprem objetivamente com seu dever institucional de tramitar as ações de impeachments contra os abusos policialescos dos sinistros supremos e as propostas de reforma política e jurídica de que o país tanto precisa.   

Com certeza estaremos juntos na assinatura desse manifesto.

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