Do DCSP: “Independência, intervenção e perplexidade”, por Jorge Maranhão
O que se cogita seria a intervenção pontual para a destituição de alguns membros do Supremo que flagrantemente afrontam a dignidade da cidadania brasileira
Por Jorge Maranhão06 de Setembro de 2021 às 16:40
| Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”. Email: jorge@avozdocidadao.com.br
As redes sociais têm clamado pela adoção do Artigo 142 da Constituição como se estivéssemos repetindo a intervenção militar de 64, quando a situação é totalmente diferente. Senão por inúmeras razões, pela essencial diferença entre o objeto da intervenção.
Em 64 tratou-se de uma intervenção no poder executivo visando a destituição do chefe de governo cuja vacância já havia sido declarada pelo próprio Congresso. Hoje, o que se cogita seria a intervenção pontual para a destituição de alguns membros do Supremo que flagrantemente afrontam a dignidade da cidadania brasileira e rasgam a Constituição que juraram defender. Destituição que caberia ao Senado, não fosse sua deliberada omissão por interesses os mais escusos.
Não reconhecer esta substancial diferença é erro de discernimento, discussão inútil, deblateração desrazoada, aspectos centrais de nossa cultura barroquista de enganação geral.
Como ocorre hoje em dia entre alguns juízes e eminentes cidadãos da área jurídica. Uma vez que não cabe a um verdadeiro juiz justificar seus juízos em face do debate político, mas simplesmente julgar. E nos autos! Não pode pretender julgar, por exemplo, entre o que considera forte e o fraco, seus credos ou posições políticas, mas apenas e exclusivamente julgar a conduta de um e de outro. E quando provocado, jamais de ofício.
Quando a maioria dos cidadãos se insurge contra sua Alta Corte, alguma coisa de muito errada deve estar ocorrendo com ela. Como por exemplo a sua intervenção descabida no processo político, exclusivo dos cidadãos eleitos e eleitores. É contra esta ilegítima intervenção da tirania judiciária que se justifica a intervenção soberana da cidadania.
Que tal pensar em sua atual composição, formada nas duas últimas décadas por governos esquerdistas que patrocinaram o maior escândalo de corrupção do planeta? Dos dez sinistros atuais do supremo, nove são da carreira da advocacia. O único juiz de carreira é oriundo da área do direito processual. Não penal ou constitucional que são a substância mesma do direito, pois os demais são direitos acessórios, não essenciais.
E aqui retorno à questão inicial de nossa dificuldade atávica com o discernimento entre essência e aparência, atributo inequívoco da prática política, jurídica e moral.
É indigno aceitar passivamente que um juiz possa fazer o que vier na sua cachola, mesmo que vivamos imersos na resiliente cultura barroquista onde prevalecem as falácias retóricas das hipérboles, paradoxos, ironias e metonímias! O que foi no passado um estilo de linguagem, o barroco das artes e das letras, hoje é pensamento e conduta! Não há como extirpar tamanho mal sem o direito à rebelião consagrado por John Locke desde o século XVII! Substância conceitual de que é feita a própria Constituição americana e a prática política, sobretudo do recall, não apenas de governantes e legisladores, mas também de juízes.
Recall como legítima intervenção da soberania dos cidadãos sobre tutela tirânica de governantes e juízes. Daí a urgência de destituir alguns membros do STF que estão aviltando o Artigo 5º da CF. Pois chegaram lá por vias políticas, sem o indispensável mérito, advogados públicos e privados, de instituições, corporações, partidos políticos, sindicatos e entidades de classe, como Gilmar, Toffoli, Fachin, Weber, Moraes, Lewandowski, Carmem Lúcia, Barroso, nenhum deles juízes de carreira. Senão, vejam-se os resultados de pesquisa recente sobre sua aprovação.
Pois vamos a cada qual e suas mais insensatas decisões:
- Toffoli: advogado privado e da carreira do magistério, soltou Zé Dirceu prestando serviço a quem o nomeou, quando deveria se abster;
- Gilmar: da carreira de advocacia pública, do magistério e empresário de educação privada, advoga o garantismo soltando bandidos e corruptos;
- Lewandowski: formação originária em ciência política, da carreira do magistério, manteve os direitos políticos de Dilma em teratológica decisão, também prestando serviço a quem o nomeou;
- Fachin: da carreira de advocacia privada, advogado de sindicatos e de Orcrim, soltou Lula, trocando a essência da justiça pelo ornamento do processo, prestando também serviço ao partido que o indicou;
- Barroso: da carreira de advocacia privada, notório militante das causas identitárias do esquerdismo, chega ao absurdo de despachar com partidos de oposição ao governo, prestando igualmente serviço ao partido que o indicou;
- Carmen Lúcia: da carreira do ministério público e do magistério, presta serviço a quem a indicou, votando pela prisão por crime de opinião, quando já declarou que “o cala a boca já morreu”;
- Weber: juíza de trabalho que não é magistratura essencial, advoga a causa trabalhista de partidos de esquerda;
- Fux: da carreira originária do ministério público, virou juiz de processo, trocando a causa essencial da justiça por expediente acessório do processo, sobretudo de censura à opinião pública;
- Morais: advogado de Orcrim, mero sheriff do “poder judiciário”, sem qualquer discernimento entre poder e abuso de poder;
- Nunes Marques: da carreira da advocacia privada, muito cedo para ser julgado, tem ainda o benefício da dúvida.
Daí, minha crescente perplexidade pela quase ausência de efetivos juízes de carreira na atual composição da Corte, além de que:
- Não há notícia na interpretação da história do Brasil do transbordamento barroquista em quase todos os campos da cultura brasileira. Só o inocente encantamento barroco das artes e das letras;
- Mas o silêncio dos maiores intérpretes do Brasil é significativo: Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Joaquim Nabuco, J. O. de Meira Pena, Euclides da Cunha, Mario de Andrade, Viana Moog, Raimundo Faoro, Darcy Ribeiro etc não há quem tenha se dedicado a aprofundar o tema e considerar suas consequências na pobreza de nossa vida política, judicial, social e moral;
- E o que caracteriza o barroquismo se não a profusão das figuras retóricas, sobretudo hipérboles, paradoxos, ironias e metonímias, não apenas no ver torcido, mas no relatar retorcido, no sentir contorcido e no pensar distorcido?;
- O jogo de imagens da Renascença italiana (o símbolo da voluta) se desdobra em jogos de palavras (trocadilhos, jeux des mots), que se desdobram em mais jogos de imagens (rocailles, trompe l’oeil), que se desdobram, por fim, em jogos de ideias da farsa ibérica, no cultismo de Góngora e no conceptualismo de Quevedo e Gil Vicente, Pe. Antonio Vieira e Gregório de Matos, em Portugal e Brasil;
- O que é excelente nas artes e letras é um desastre/impasse civilizatório se levado à conduta moral (pelo jeitinho), à política (pelo conchavo) e à justiça (pelo garantismo, processualismo, quiproquó e chicana). Vide o desmonte da Lava-jato, da condenação em segunda instância, da redução do foro privilegiado e a desonestidade da confusão criada entre voto impresso e contagem pública de votos;
- Os países mais desenvolvidos são aqueles em que predominou o iluminismo/razoabilidade sobre o barroquismo/desrazão na gestão da coisa pública;
- A Inquisição ibérica da queima de livros e gentes, do disfarce dos mouriscos e cristãos novos, está presente na censura descarada e no terror imposto aos cidadãos pelos poderosos, e que se repete em essência no Brasil de hoje;
- Vide as torções, retorções, contorções e distorções do Supremo: solta bandidos e prende cidadãos, acaba com a Lava-Jato quando ela perigou se desdobrar em Lava-Toga, legisla ao invés de julgar, faz política quando aceita julgar recursos de partidos políticos de oposição, advoga quando deveria simplesmente julgar ou se abster.
- Só um poder hoje pode evitar este impasse: a soberania popular dos cidadãos, afirmada pela alta credibilidade das FFAA diante do desprezo e repulsa por alguns membros do Supremo e do Senado;
- A intervenção, porém, não será desta vez para governar ou exercer o poder. Mas para ser pontual como a cirurgia de um tumor. Este tumor que está localizado sobretudo na maioria dos sinistros nomeados para a Alta Corte para servir à esquerda!
- Não para servir e defender o Brasil ou sua Constituição como a maioria dos cidadãos reclamam, mas para traí-la, motivo mais do que suficiente para a intervenção no conluio espúrio da banda podre do Senado e do Supremo;
- É uma ilusão barroquista a hipótese da terceira via à polarização política do cenário brasileiro porque não pode aparecer o que não existe. Só no imaginário do jeitinho, onde se afirma o pardo ora como preto, ora como branco, dependendo do interesse de ocasião dos enganadores;
- O barroquismo está resiliente no esquerdismo contumaz do brasileiro, seja na versão carnívora ou na vegana. Parodiando Karl Marx que nunca provou a existência da luta de classes: pior do que o esquerdismo como doença infantil do comunismo é o barroquismo como doença senil do esquerdismo;
- A troca metonímica da luta de classe operária pela luta identitária de minorias de militância de gênero, abortistas e de pura bandidagem, da hipérbole globalista do ambientalismo contra o direito à vida dos povos indígenas; da destruição das identidades nacionais pelo metacapitalismo, da corrupção dos valores da tradição judaico-cristã do Ocidente: vida, liberdade, propriedade e justiça;
- Na mais diabólica figura da metonímia barroquista: trocar o todo pela parte e vice-versa, mas também o essencial pelo acessório, o mote pela glosa, o verso pelo anverso, a substantivo pelo adjetivo, o quadro pela moldura, a figura pelo ornamento, a causa pelo efeito, a justiça pelo processo, a política pelo poder, a lei pelo privilégio, a história pela farsa, o objeto pela função etc.
Em suma: insistir em comparar o tosco Bolsonaro, equívoco de forma e estilo, com o pérfido Luladrão, equívoco de conteúdo e de caráter!