Do DCSP: “Curupira e a nossa dificuldade de apreensão da realidade”, por Jorge Maranhão
O Congresso Nacional, como nossa maior farsa barroca, disfarça e não cumpre com sua missão essencial, qual seja a de controlar a administração da Justiça
São Paulo, 02 de Maio de 2022 às 15:53
Em que pese as severas críticas que tenho sobre a arquitetura de Brasília, pelo menos a localização central do prédio do Congresso Nacional, face o Executivo e o Judiciário, representa corretamente o peso entre eles. Pois os poderes soberanos pela legitimação do voto dos cidadãos são apenas o Executivo e o Legislativo, sendo o Judiciário um órgão essencial com poder indireto do presidente que indica os ministros e do Legislativo que os sabatina. Ou seja, um poder por deferência metafórica e não por fundamento de soberania, como definido no parágrafo único do Art. 1: “todo poder emana do povo.”
Só que, enfim, começa a cair a ficha do alegado sentido das duas conchas, côncava do Senado e convexa da Câmara. Para além da côncava estar a ouvir as aspirações das unidades da federação – se é que de fato ela existe ou é mera ficção barroquista – e a convexa as demandas plurais dos cidadãos, são a representação e o motor das duas fontes de poder, da soberania individual e comunitária dos cidadãos. Como elementos complementares e alados, ao lado do duplo edifício do Congresso, resulta no esboço plástico do maior de nossos dragões da maldade, diria o Curupira, símbolo maior de nossa farsa barroquista que a todos engana e descaminha.
Pois o Congresso Nacional, como nossa maior farsa barroca, disfarça e não cumpre com sua missão essencial, qual seja a de controlar a administração da Justiça, instrumento de seus abundantes recursos processuais, contra a associação criminosa com executivos corruptos, fontes de acesso a outro tipo de recursos, desta feita, os financeiros do tesouro nacional.
A nação inteira tem sido vítima do atraso de mentalidade, da reputação duvidosa e notória ignorância jurídica de alguns dos supremos togados. Sobretudo uma meia dúzia deles que padecem da mais aguda síndrome da retórica barroquista. Não no quesito da oratória da qual são até mesmo medíocres, mas no de seus torcidos, contorcidos e distorcidos raciocínios que os levam a uma total dissonância cognitiva na apreensão da realidade.
Como demonstro no meu recém-lançado livro “Curupira”, o barroquismo mental de três séculos nos fazendo ver e crer no imaginário assimétrico, obscuro, unívoco, pictórico e de forma aberta das artes barrocas acabou por nos levar a uma apreensão torcida, contorcida e distorcida da realidade. As artes e as letras barrocas, como sempre digo, são uma das máximas expressões da humanidade, mas quando transbordadas para outros campos da expressão cultural, como a moral, a justiça e a política, é um desastre, nosso grande impasse civilizatório.
Pois uma apreensão da realidade através de figuras retóricas como metáforas, metonímias, hipérboles, ironias e paradoxos resulta sempre em torções, contorções e distorções da realidade. Como se elas existissem na realidade objetiva e não fossem apenas figuras ou meios de expressão.
E a expressão máxima de nosso barroquismo mental é a enrolada, tortuosa, cara, nepotista, ineficiente, paradoxal, tardia, processualística e farsante Justiça nacional. Uma máquina de oprimir cidadãos indefesos por omissão ou ativismo em excesso e de procrastinar sentenças e favorecer poderosos.
Não é à toa que mais da metade dos supremos togados são objetos de pedidos de impeachment no Congresso, como: Gilmar Mendes, nosso garantista-mor em favor de políticos condenados por corrupção e em desfavor de centenas milhares de cidadãos presos arbitrariamente por pequenos crimes e sem o devido processo legal. Puro paradoxo.
Alexandre de Moraes, nosso inquisidor-mor, vítima, promotor, investigador, relator e juiz do conhecido “Inquérito do Fim do Mundo”. Uma hipérbole ambulante, descomedido e juris-imprudente.
Dias Toffoli, o defensor-mor do poder moderador do Esseteefe que não consta na Constituição Federal. E, portanto, pura ficção barroquista.
Fachin, defensor-mor do ex-presidiário ex-presidente, que criou a figura esdrúxula da descondenação judicial por confundir sentença condenatória com adereço processual. Como manda a boa retórica metonímica, troca o essencial pelo acessório.
Lewandovsky, inventor-mor da meia-pena do impeachment ou do supremo jeitinho de cassar o mandato mas poupar os direitos políticos de sua companheira ideológica. Mera ironia se não fosse também descabida hermenêutica.
E o iluminado Barroso, ativista-mor das pautas esquerdistas identitárias, da caixa-preta das urnas eletrônicas a abusador-mor de parlamentares com rabo-preso no Esseteefe.
A esses seis casos de extravagância jurídica e transbordamento retórico se juntam mais seis episódios de nossa tradição barroquista de torcer, retorcer, contorcer e distorcer a realidade, como narra Curupira e seus, não por acaso, doze dragões da maldade.
O paradoxo barroquista do ativismo judicial compulsivo de sinistros togados expressamente impedidos de fazer política partidária, além de fazer letra morta do art. 95 da Constituição, uma vez os compulsórios atributos de passividade, imparcialidade e insuspeição do ato judicatório.
A extravagância da existência de justiças ditas especializadas como as jabuticabas justiças trabalhista e eleitoral, fonte de empreguismo, opressão e abuso de tutela sobre os cidadãos.
A desrepresentação parlamentar que mais representa os interesses corporativos de seus representantes do que os dos cidadãos que finge barrocamente representar. Caso modelar de retórica da ironia de trocar o ser representado do cidadão eleitor pelo parecer ser representante de seus próprios interesses.
O conluio dantesco dos SS – Senadeiros do Senado e supremo sinistros que encenam a farsa de não tramitar processos de impeachment contra membros do Esseteefe, em troca de os mesmos não tramitarem denúncias de corrupção de senadeiros portadores de mandatos comprados.
A contabilidade criativa dos membros dos tribunais de faz-de-contas que faz vista grossa com pedaladas da execução orçamentária aprovadas pelos seus patrões no Congresso e práticas de criativas exportações de serviços por mega empreiteiras que só por acaso financiam campanhas eleitorais.
Tais são nossas doze quedas para o mais abissal fosso de nossa barroquista cultura política, onde os atores da alta magistratura nunca foram tão medíocres quantos os indicados pelos governos esquerdistas nas últimas décadas. O que nos tomará uma geração para substituí-los por ministros efetivamente ilibados e de notório saber jurídico.
Por isso a narrativa romanceada de Curupira, pronta para ser lançada também em língua inglesa, como Kurupira, para que o mundo saiba do que está realmente ocorrendo nesta sua periferia.
Não obstante grande parte dos países ocidentais também estejam a padecer da mesma pandemia do supervírus resiliente do barroquismo mental, quem sabe esta original interpretação do Brasil não acabe por ser útil também para a apreensão da realidade de outros países e culturas ditas mais civilizadas.
Porque o chiaroscuro barroco, como as espirais e volutas do côncavo-convexo, não nega a premissa de discernimento do preto e branco, da noite e dia ou do quente e frio. Uma vez que terceira via política, terceiro sexo ou terceira margem do rio, como o raro momento entre a alvorada e o pleno dia ou entre o crepúsculo e a plena noite, não são a regra celebrada pelo Barroco, mas a exceção que confirma a regra, uma vez que não seria sequer percebido o fenômeno sem as premissas conceituais que nos permite discernir a verdade, não apenas da mentira, mas sobretudo da meia-verdade.
Jorge Maranhão é mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”. Acaba de lançar “Curupira, o enganador do mundo e os doze dragões da maldade”.
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