Artigo – Sobre o Populismo, por Mario Guerreiro
Que o populismo seja algo atribuído a líderes políticos, disto não há a menor dúvida. Mas como se caracteriza uma liderança populista? Líderes bastante diferentes já foram rotulados de “populistas”. Por exemplo: demagogos gregos, Hitler, Vargas, Perón, Mussolini, Stalin, Chávez, Lula.
Disto se conclui que (1) o termo tem sido usado abusivamente ou (2) trata-se de algo bastante elástico, que independe da ideologia professada pelo líder. Dizer que há um populismo de direita ou de esquerda, pode ser até razoável, mas não resolve nada, a menos que definamos o que devemos entender precisamente por “populismo”.
Antes de tentar equacionar essa questão, resta ainda outra: devemos entender que populista é o mesmo que demagogo? Caso seja, populismo seria o mesmo que demagogia.
Como ponto de partida, tomemos o que, em Filosofia, costumamos chamar de definições de dicionário. Segundo a Wikipedia, populismo= df. práticas políticas que se justificam num apelo ao “povo”, geralmente contrapondo um conjunto este grupo a uma “elite”. Não existe uma única definição do termo, que surgiu no século XIX e tem obtido diferentes significados desde então. Poucos atores políticos descrevem a si mesmos como “populistas”, e no discurso político o termo geralmente é aplicado a outros pejorativamente.
Em primeiro lugar, a Wikipedia assinala um traço já assinalado por nós: “Não existe uma única definição do termo, que surgiu no século XIX e tem obtido diferentes significados desde então. Em segundo, a Wikipedia fornece uma noção vaga, ainda que não inadequada e/ou errônea: práticas políticas que se justificam num apelo ao “povo”, geralmente contrapondo um conjunto este grupo a uma “elite”.
É bastante comum, em uma liderança populista, a contraposição de “populismo” e “elitismo”, considerando este último termo algo ruim devendo ser combatido, embora nem sempre o populismo seja explicitamente considerado bom. Creio que a maioria dos líderes populistas não gostem de ser assim chamados, mas outros há que não se importam, desde que seja aceita a definição positiva dada por eles ao termo como “populista”= df. “aquele que ama o povo e tem horror das elites inimigas do povo”
Leonel Brizola, lembro-me bem, disse algo mais ou menos assim: “Algumas pessoas acham que populismo é uma coisa ruim, mas eu não penso assim. Populista é aquele que está preocupado com o povo, que se importa com o povo”. Cito de memória e não posso garantir que o ex-Governador do Rio Grande do Sul e, posteriormente, do Rio de Janeiro tenha proferido exatamente essas palavras, mas estou certo de que são a expressão correta de seu pensamento.
Apenas uma advertência: no jargão brizolista, assim como no jargão esquerdista, a palavra “povo” não quer dizer “todos os indivíduos de todas as classes sociais de uma nação”, mas sim a classe pobre, popularmente: “o povão”.
Um exemplo de uso semelhante pode ser encontrado no filme o Dr. Jhivago, baseado no romance do mesmo nome, de Bóris Pasternak (Prêmio Nobel). O Dr. Jhivago é um médico de alta classe média russa quando ocorre a Revolução de 1917. Ele é imediatamente recrutado pelo Exército Vermelho do general Trotsky. Ele passa meses cuidando dos feridos em batalhas, mas quando tem uma folga, ele volta para sua casa em Moscou.
Percebe que sua casa foi requisitada pela Revolução Comunista e tem várias famílias morando nela. Embora não possa estar satisfeito, porque não era comunista, não emite uma só palavra de insatisfação ou crítica à Revolução, mas uma sargentona do Partido vai logo lhe dizendo: “Agora tudo mudou. A Rússia agora é o país dos trabalhadores !”
Ao que Jhivago observa: “Mas eu também sou um trabalhador, sempre trabalhei como médico” (só não disse que tinha trabalhado de graça para a Revolução). No contexto acima, “os trabalhadores” são apenas a classe proletária, da qual acham-se excluídos profissionais de classe média como médicos, advogados, engenheiros, etc. Pra todos os efeitos, “os trabalhadores” são “o povo”.
Vejamos agora a definição de dicionário de “demagogo” da Wikipedia. Demagogo=df.”é um termo de origem grega que significa “arte ou poder de conduzir o povo”. É uma forma de atuação política na qual existe um claro interesse em manipular ou agradar a massa popular, incluindo promessas que muito provavelmente não serão realizadas, visando apenas à conquista do poder político e ou outras vantagens correlacionadas.
Considero esta definição de dicionário bastante fiel ao uso da palavra e de acordo com um conceito da Ciência Política. Só devemos entender que o verbo grego agogein, relacionado com “gogo” tem, neste contexto, uma conotação pejorativa, que é bem expressa por “manipular”.
Isto se torna bastante claro na sequência da definição: É uma forma de atuação política na qual existe um claro interesse em manipular ou agradar a massa popular, incluindo promessas que muito provavelmente não serão realizadas, visando apenas à conquista do poder político e ou outras vantagens correlacionadas.
Desse modo, o demagogo é um falso moedeiro, alguém que faz promessas que não pode cumprir e/ou pode mas não tem a mínima intenção de cumprir. E suas promessas visam a uma finalidade única: apenas à conquista do poder político e ou outras vantagens correlacionadas.
Parece que chegamos a uma compreensão razoável dos termos “populista” e/ou “demagogo”, mas resta ainda examinar duas expressões com as quais esses termos estão intimamente relacionados: “culto da personalidade” e “carisma”.
Pela primeira expressão, entendemos o endeusamento da figura do líder, em parte promovido pela propaganda e em parte promovido pelos seus liderados. Uma raposa política das mais felpudas certa vez disse – cito de memória e não poso garantir que tenham sido estas suas próprias palavras, mas garanto que é a expressão correta de seu pensamento – “Ninguém pode se dizer líder, líder é quem os outros dizem que é”. Correto! De que adiantaria alguém autoproclamar-se líder, mas os outros não reconhecerem?!
Do mesmo modo, que seria de um profeta se ele fizesse profecias, estas sempre se realizassem, mas ninguém lhe desse crédito? Seria como Cassandra, que recebeu uma terrível maldição do deus dos oráculos, Apolo. Cassandra ergueu sua voz e vaticinou: “Se vocês, troianos, abrirem as portas de Tróia e acolherem este grande cavalo de madeira, será o fim de Tróia!” E ninguém acreditou nela!
Decorre daí que a liderança é um fenômeno somente compreensível dentro da interação de líder e liderados. Assim como o fenômeno da representação política decorre da relação entre representantes e representados.
Ora, sendo o populismo/demagogia uma forma espúria de liderança, ele também é um caso de interação, de interação entre quem está enganando seus liderados e seus liderados que se deixam enganar. Caindo na popular: que seria do malandro, se não existisse o otário? Ou do masoquista, se não existisse o sádico?
Carisma era um termo da linguagem religiosa transformado num termo da linguagem da ciência política por Max Weber, para caracterizar um tipo de liderança autêntica ou demagógica, veiculadora desta ou daquele ideologia, possuidora do inexplicável poder de gerar forte influência sobre os outros, que são tomados por uma espécie de fascínio, tornando-se capazes de fazer “tudo aquilo que seu mestre mandar”.
Se o leitor pensou em Adolf Hitler, acertou na mosca, mas se o leitor pensou em Mahatma Gandhi, acertou também. Mas como pode o carisma ser atribuído tanto a um tirano sanguinário como a um grande líder pacifista?
Só seremos capazes de desfazer essa incongruência, se considerarmos que “carisma” é uma expressão axiologicamente neutra, como queria Weber, ou seja: é em si mesma desprovida de valor e só adquirirá valor dependendo dos fins atrelados a ela. Simplificando: assim como a astúcia e o conhecimento, o carisma não é bom nem mau, tudo dependendo do fim para o qual está voltada a ação de um líder carismático.
Se Gandhi empregou seu carisma para uma finalidade pacífica e libertadora, Hitler empregou o seu para uma atividade belicosa e escravizante.