Artigo – “Deltan e a Lava Jato estão indefesos”, por Carlos Fernando dos Santos Lima
Sim! Deltan Dallagnol será punido! Assim quer Gilmar Mendes, assim quer o Centrão, assim quer o Partido dos Trabalhadores. É inevitável que atinjam essa infâmia diante da união de seus interesses contra a Lava Jato e o que ela representa, um modelo de combate eficaz à corrupção. Unem-se em torno de mensagens apócrifas e de origem criminosa qual urubus à espera da morte da reputação de Deltan Dallagnol. Tentaram isso com Sérgio Moro, mas, como este estava livre das amarras da sua anterior função de magistrado e sua defesa perante um grupo desqualificado foi serena e técnica, não conseguiram seu intento.
Agora os canhões voltam-se contra Deltan Dallagnol. Pretendem desvesti-lo de sua reputação e com isso reverter o apoio popular a um modelo de combate à corrupção que deu certo, um modelo de união de esforços dos diversos órgãos estatais em torno do princípio republicano da igualdade de todos perante à lei. Um modelo em que o Estado combate à criminalidade como um todo. Vemos isso quando tramitam projetos de lei que tornam políticos inimputáveis, quando impedem o COAF e Receita Federal de compartilharem informações com Polícia e Ministério Público, quando em um inquérito secreto, verdadeiro instrumento de exceção, supostamente criado para apurar “fake news” contra o Supremo, afasta servidores da Receita Federal por terem realizado diligências fiscais que guardam relação com ministros daquela corte.
Daí, pretendendo validar o crime de violação de sigilo de comunicação, usam de supostas cogitações de Procuradores da República em relação a investigar agentes públicos com foro privilegiado, para demonstrar abusos da Lava Jato. Dois erros para justificar seus interesses. Primeiro, as mensagens em questão são privadas e obtidas por meio criminoso; segundo, o que não se pode fazer é investigar, passar da cogitação para a ação. Querer impedir o pensamento e a livre discussão dos reais motivos das seguidas decisões desses ministros, algo que está na boca de todos os brasileiros, é autoritário. Precisamos sim discutir isso, apesar de todas as ameaças.
Estamos em um momento de exceção. O inquérito do Supremo Tribunal Federal, comandado por Alexandre de Moraes e encomendado por Dias Tóffoli, com tramitação sigilosa, sem o conhecimento inclusive do Ministério Público, órgão aos qual se destinam todos os inquéritos, sem objeto delimitado e claro, usado para determinar a inimputabilidade de autoridades judiciárias – eles, por óbvio – é a manifestação do rompimento da ordem constitucional. Por si só seria motivo para responsabilização dos envolvidos, não estivessem eles protegidos pelos mesmos interesses no Congresso Nacional.
Deltan e a Lava Jato estão indefesos contra esses ataques. O relativismo moral que toma conta dos formadores de opinião parece se preocupar mais com pensamentos e palavras a favor de serem investigadas autoridades que em perguntar sobre as relações espúrias que se formam no poder. Cabe sim a qualquer cidadão, e eu faço isso todos os dias, perguntar como estão os pedidos de suspeição de Gilmar Mendes, o que temem alguns ministros do Supremo com investigações fiscais, porque aceitamos que autoridades sejam tratadas de forma diferente das pessoas comuns.
Infelizmente o que está a caminho é o oferecimento da cabeça de Deltan Dallagnol em uma bandeja para a satisfação de vilões. O que está por vir é uma blindagem de um modo de relacionamento espúrio entre os três poderes, com a venda constante de apoio político, com a impossibilidade de serem investigadas autoridades e seus familiares. O que está a caminho é um ataque à independência do Ministério Público – um real atentado à Constituição de 1988. Querem afinal, a submissão dessa instituição aos seus interesses, querem que promotores e procuradores continuem processando somente negros, pobres e prostitutas.
Se conseguirem isso, tudo o que foi construído nos últimos 30 anos estará comprometido. Estamos realmente, como diz Gilmar Mendes, diante da maior crise do sistema de justiça de toda nossa história republicana, mas não pelos mesmos falsos motivos que ele levanta, mas justamente pela sua atuação, de Dias Tóffoli e de Alexandre de Moraes em usar abusivamente de seu poder. Pena que os bons permaneçam inertes.
Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador regional da República aposentado, ex-integrante das forças-tarefas da Lava Jato e do Caso Banestado