Editorial –
A iniciativa “Publique o que você paga”
Para além da enorme “tragédia” que varreu do mapa a vila de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e destruiu a vida de um dos rios mais importantes da Região Sudeste, o Rio Doce, uma outra questão se impõe: como evitar que o poder econômico de grandes grupos transnacionais coloque em risco tão alto populações, meio ambiente e a economia de outros países?
Sem dúvida, um dos pontos da resposta é a transparência nas relações desses grupos com o poder público local. No caso específico de atividades extrativistas, como a mineração, é preciso que a sociedade tenha conhecimento dos termos dos contratos envolvendo concessões para uso de água dos rios, licenças ambientais, incentivos fiscais, preferência no consumo de água fornecida pelas prefeituras, financiamento de campanhas eleitorais e por aí vai. É o que se chama no direito internacional e na economia de “princípio da externalidade”, definido desta forma nos manuais dessas áreas: uma externalidade ocorre quando pessoas alheias a um contrato (em especial na área ambiental) são afetadas por ele. O princípio da externalidade sugere que as ações, custos ou benefícios envolvidos podem ter reflexos em terceiros.
E, no caso da mineração, por exemplo, que afeta tantas pessoas alheias à celebração desses contratos, que é preciso que os seus termos possam ser devidamente tratados e classificados por poder concedente (especialmente no caso de concessões e permissões) e por contrato/acordo. Informações transparentes, claras e divulgadas num formato que torne possível o controle social feito por organizações da sociedade ou cidadãos singulares.
Uma boa campanha por mais transparência nessa relação grupos privados versus poder público chama-se “Publish What You Pay” (chamado por aqui de “Divulgue o que você paga”), que já é representada por pelo menos 800 organizações civis em todos os continentes. No Brasil, a atuação está a cargo do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas.
Criada na Inglaterra em 2002 com o apoio da Fundação Open Society e do Banco Mundial, dentre outros, a campanha procura envolver a sociedade, governos, grupos econômicos e empresariais em seus esforços pela aprovação de legislações que impeçam acordos espúrios e lesivos às populações, especialmente nos setores de petróleo, gás e mineração.
Ao lado da transparência dos contratos, um outro ponto também precisa atenção maior da mídia e dos cidadãos: o volume de dinheiro ilegal, fruto dessa relação distorcida entre empresas e poder público, que “viaja” para os chamados paraísos fiscais. Uma outra campanha global, a “End Tax Haven Secrecy”, pede uma ação conjunta dos países do G-20 contra os paraísos fiscais, que é para onde, invariavelmente, vão os recursos públicos desviados. No Brasil, a campanha é capitaneada pelo Inesc – Instituto de Estudos Socioeconomicos.
A ideia, claro, é que esses líderes estimulem em seus países o desenvolvimento de mais instrumentos de fiscalização, e principalmente pressionem pelo fim do sigilo nesses paraísos. Algo que envolve também uma maior cooperação entre o Ministério Público e a Polícia Federal dos países.
Duas “brigas” que estão interligadas e que devem ser de todos os cidadãos, pois sem dúvida a cada ano que passa as questões referentes às mudanças climáticas fazem do controle social sobre os setores extrativistas uma ação vital para a sobrevivência humana.
Sobre o tema do dinheiro em paraísos fiscais, o advogado José Carlos Tórtima gravou um depoimento aqui para o nosso programa Agente de Cidadania. Para ele, a repatriação desses recursos é uma saída, através de uma anistia. Tema, aliás, que foi alvo de debates no Congresso recentemente. Mas, claro, sem envolver dinheiro de origem ilícita. Para ele, “o retorno desses capitais teria a tríplice vantagem de um investimento na economia formal, um incremento nas reservas cambiais e uma ajuda para debelar o déficit fiscal, que se apresenta bastante acentuado”.
Como está descrito no próprio site da campanha, “a abertura dos contratos não é uma ‘bala de prata’” – nem um fim em si mesmo – mas sim um parte fundamental de um jogo que precisa ser alterado para que os cidadãos de países ricos em matérias-primas tenham uma chance de lutar”.