Editorial –
Sociedade começa a fazer o nexo entre corrupção e péssimos serviços públicos
Desde que as manifestações começaram em julho, temos percebido que a sociedade começa a fazer a ligação entre a corrupção reinante e o sucateamento de serviços públicos essenciais, como transporte de massa, saúde pública e educação básica. Uma boa medida dessa percepção são os cartazes “vândalos são os políticos” que têm aparecido com frequência em protesto. Urge a cidadania atuante mostrar clara e definitivamente à sociedade como a ineficiência de políticas públicas e a associação delituosa entre o poder público/político e empresas como Alstom, Siemens, Delta e tantas outras afetam diretamente as condições de infraestrutura urbana absolutamente inumanas das grandes cidades brasileiras.
Apenas no caso Alstom, a empresa é acusada de ter pago perto de 7 milhões de dólares em propinas para obter um contrato de 45 milhões de dólares na expansão do metrô de São Paulo. Perto de 15%, ou seja, para cada 10 vagões em um trem urbano comum, pelo menos um não chega a existir, desviado pela corrupção. Segundo o Ministério Público de São Paulo, entre os anos de 2000 e 2007, foram desviados perto de 450 milhões de reais da construção de duas linhas do metrô de São Paulo, outras duas de trens metropolitanos, também em São Paulo, e o metrô de Brasília.
E sem falar nos subsídios fiscais pontuais e ineficientes, e que deixam a sociedade entre a cruz e caldeirinha. Nas contas do consultor de infraestrutura Adriano Pires, a política pública de privilegiar o transporte individual, zerando a CIDE e reduzindo impostos como o IPI para automóveis, fez o Tesouro Nacional deixar de arrecadar cerca de R$ 30 bilhões desde 2008. O suficiente para a construção do tão falado trem-bala entre Rio e São Paulo.
Esse volume gigantesco de dinheiro público desperdiçado – além da falta de regulação, monitoramento e fiscalização – tem reflexo direto na vida das pessoas. Um deles é o próprio preço das passagens urbanas, a queixa-base das manifestações de julho. Segundo dados do site Mobilize, o custo médio das passagens de ônibus das seis maiores cidades brasileiras é o segundo mais caro dentre 22 metrópoles em todo o mundo. Menor apenas que a cidade de Lisboa. Dentre as doze malhas metroviárias mais extensas no mundo, nossas duas maiores, São Paulo e Brasília, ocupam as duas últimas colocações. Muito pouco para a sétima maior economia do planeta.
Essa violência contra o cidadão na política pública dos transportes de massa é um massacre a olhos vistos. Diariamente os noticiários dão conta de casos de megaengarrafamentos, superlotação, panes e acidentes dos mais variados tipos. Um processo que começa a ser percebido agudamente pela sociedade, e até manifestado com violência no caso dos polêmicos “black blocs”, o que proporciona um perigoso clima de instabilidade social, e até uma sensação de anomia.
Falta a discussão mais urgente e necessária: propostas de soluções objetivas e eficientes. E que necessariamente devem passar pela transformação da relação entre políticos, agências reguladoras, empresas e sociedade.
Falta a maior participação desses verdadeiros Agentes de Cidadania, aqueles que têm o conhecimento – especializado até – para gerar as propostas viáveis e divulgar para o devido debate com os cidadãos.