O herói, o mito e o valor das instituições
A cidadania brasileira abriu a semana passada com uma grande decepção, ante as denúncias de corrupção envolvendo o senador Demóstenes Torres e um contraventor. O senador Demóstenes foi um dos principais aliados das entidades da sociedade civil dedicadas ao controle social de mandatos, governos e orçamentos públicos. Ao votar todas as leis que interessavam ao cidadão consciente, que quer um Estado transparente e sem corrupção, mostrou que era sua também a luta pela moralidade pública.
A opinião pública ficou ainda mais perplexa pois o mito foi destruído justamente no momento em que o Brasil perdeu grandes valores num curto espaço de tempo. Em apenas uma semana, perdemos Chico Anysio e Millôr Fernandes. E já tínhamos perdido recentemente Mario Lago, Aziz ab´Saber, Dias Gomes e Paulo Gracindo. Não poderemos mais conviver com a produção inteligente, mordaz e crítica de Chico e Millôr e, ao mesmo tempo, perdemos o símbolo do combatente pela moralidade pública.
Esse luto é até maior. É o luto da ilusão de que se pode fazer cidadania dependendo apenas de heróis e de mitos. Afinal, nenhum personagem de Chico Anysio ou de Millôr Fernandes conseguiu ser tão convincente como o senador Demóstenes.
E esse é o grande luto da cidadania no Brasil, que acontece justamente porque não temos instituições fortes e autônomas, para que o cidadão não fique dependendo da ação da conduta individual de um homem, por mais virtuoso que possa ser.
Felizmente, as instituições começam a funcionar no Brasil, tanto é que não haveria jamais a possibilidade de desmascaramento dos crimes cometidos pelo senador Demóstenes se não houvesse instituições independentes, como a Receita Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público, e outras.
A lição é dura mas tem de ser aprendida rapidamente. Na luta contra a corrupção não podemos depender de nenhum herói, mito ou de quem quer que seja, por mais virtuoso que seja. É preciso construírmos instituições de centenas, milhares de homens. Podemos ser individualmente falhos, claro, mas as instituições são previsíveis e confiáveis.
Vamos terminar este comentário com uma frase magistral do inesquecível Millôr: “como são admiráveis as pessoas que a gente não conhece bem”. Pensem nisso.