Editorial –
Relatório da OEA sobre drogas surpreende
A Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), órgão da Organização dos Estados Americanos/OEA publicou no fim do mês passado o seu “Informe del Uso de Drogas en las Américas 2015”, sendo esta a segunda edição de uma extensa pesquisa em 28 países.
Para além de comprovar que não são leis que determinam ou influenciam os maiores ou menores índices de consumo dessas substâncias ‑ são fundamentalmente inúmeros fatores econômicos, sociais e culturais ‑ o informe da OEA é mais um documento a atestar a inquestionável falência da política global de proibição às drogas tornadas ilícitas, em seu objetivo de eliminar ou pelo menos reduzir a disponibilidade de tais substâncias proibidas.
Várias informações contidas na pesquisa são de grande relevância para estudiosos, gestores de políticas públicas e outros. Alguns exemplos são: pela primeira vez o uso de maconha ao menos uma vez na vida nos Estados Unidos e Canadá passou de 40% da população; na quase totalidade dos países das Américas, a maior prevalência de consumo das drogas tornadas ilícitas se dá no segmento populacional entre 18 a 34 anos; nos últimos anos, cresceu a utilização de novas substâncias psicoativas (NSP), conhecidas como “legal highs”, isto é, substâncias não incluídas nas listas das convenções internacionais (e dificilmente passíveis de inclusão, especialmente devido à velocidade com que surgem e têm alterada sua composição).
Mas um fato revelado pela pesquisa surpreende e deve ensejar discussões e estudos específicos, tanto no meio acadêmico quanto no político. A única droga que teve o seu consumo substancialmente reduzido, em todos os países pesquisados, está fora do “radar” das diversas políticas de combate às drogas, mesmo porque ela é lícita: o tabaco.
Segundo o estudo da OEA, a diminuição no consumo de tabaco se dá não apenas no abandono por parte de antigos consumidores, mas também por uma relevante redução no surgimento de novos fumantes.
Evidentemente, essa redução no consumo se deu não apenas por campanhas regulares do poder público sobre os malefícios da nicotina. Matérias e mais matérias da cobertura noticiosa dando conta disso, além de décadas de mensagens explícitas em maior ou menor grau na mídia de entretenimento, fizeram acontecer essa transformação. Uma verdadeira revolução cultural, de costumes e crença. O fato é que fumar passou a ser quase um ato escatológico.
E é exatamente por esse caminho que acreditamos ser possível também uma grande transformação em nossa cultura política. Se o noticiário nacional cuida mais dos relatos sobre delitos e infratores, e não dos bons exemplos de combate e controle social contra a corrupção, as tão sonhadas transparência e ética dificilmente virão por geração espontânea. Não basta esse esforço se dar isoladamente no Congresso, nas ruas ou em organizações da sociedade civil. O apoio da mídia de massa será fundamental para amalgamar no imaginário social a certeza de que mudar a qualidade de nossa representação política é possível, e não apenas desejável.
Com relação à guerra às drogas em si, para a juíza aposentada e especialista em combate às drogas, Maria Lucia Karam, em recente depoimento aqui para o nosso programa Agentes de Cidadania, “o combate só funcionará se não houver mais combate“. Karam faz parte de um grupo cada vez maior de defensores da legalização e regulamentação do comércio e uso das drogas ‑ com algumas devidas restrições, evidentemente. Para ela, hoje a maior fonte de violação de direitos humanos no mundo está na política de guerra às drogas, que tem sido ineficiente. Assim como o tabaco, outras drogas deveriam ser legalizadas para melhor controle de seu comércio e uso.
Para ela, “se drogas fazem mal, a proibição ao uso das drogas faz um mal ainda maior“.